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Fundação Tide Setubal lança Rede de Grupos de Pesquisa em Educação e Desigualdades
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Acadêmicos unirão esforços para colocar as desigualdades educacionais no centro do debate público e criar indicadores para mensurar o problema

Os debates sobre educação no Brasil ocorrem com força desde a redemocratização. Nos anos 1980 e 1990, o foco principal era o acesso – e como elevar as taxas de matrícula para que todas as crianças e jovens em idade escolar estivessem na escola. Em seguida, passou-se a discutir a progressão dos já matriculados, as taxas de reprovação e as formas de reduzir a distorção idade/série. Recentemente, com a criação de um sistema integrado de avaliação, o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), o centro do debate passou a ser a qualidade global do sistema e os níveis de aprendizagem que ele proporciona. “Esses três pontos são muito discutidos e estudados no Brasil. O que não tem força ou centralidade no debate é o tema da desigualdade na educação. Não há ao menos um retrato preciso da nossa situação”, diz Maurício Érnica, membro do conselho consultivo da Fundação Tide Setubal.

As desigualdades educacionais podem se manifestar de muitas maneiras, mesmo quando compara-se apenas o desempenho dos alunos da rede pública, e, embora não exista um retrato claro sobre o tema, padrões da desigualdade na vida escolar são observados por pesquisadores. Há anos, alguns grupos de acadêmicos espalhados por universidades no Brasil dedicam-se ao assunto, mas ainda existem muitas fronteiras de conhecimento, empíricas e teóricas, a serem exploradas. Contudo, sem dados precisos sobre onde a desigualdade é maior e como ela se relaciona com outros marcadores sociais, como origem social, raça, gênero e geografia, o debate sobre o tema continua minguado, e não há a criação de políticas específicas de combate às desigualdades educacionais.

“Abordar desigualdades na educação é importante para a Fundação Tide Setubal não apenas por ser um tema com o qual Maria Alice Setubal, presidente do conselho, tem um longo histórico, mas também pela influência da educação na definição das desigualdades sociais. Com base nessa percepção, a Fundação define que é importante atuar nessa área, não apenas aprofundando o conhecimento, mas também orientando o debate para a ação e influenciando políticas públicas que melhorem a qualidade global e que também reduzam as desigualdades do nosso sistema de ensino”, diz Maurício.

Assim, surgiu a proposta da criação da Rede de Grupos de Pesquisa em Educação e Desigualdades. Seus principais objetivos são induzir e dar suporte a pesquisas sobre desigualdades de trajetória e desempenho educacional no Brasil e sobre políticas públicas voltadas ao tema; disseminar dados e resultados de pesquisas sobres desigualdades educacionais e induzir e dar o suporte ao desenvolvimento de políticas públicas. Para isso, a iniciativa pretende fortalecer o campo de pesquisa, com a criação de estudos e apoio a estes, produzir materiais de comunicação para promover o debate público sobre o tema e promover ações de advocacy por políticas de combate às desigualdades educacionais.

Para articular a rede, foram mapeados acadêmicos e grupos de pesquisa que já abordavam o tema em universidades de todo o Brasil. Hoje, a Rede reúne membros de instituições como a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop) e a Universidade de São Paulo (USP). Embora todos lidem com o tema das desigualdades na educação, os variados enfoques de suas pesquisas geram um olhar amplo para a questão.

“Na minha opinião, a relevância de criarmos essa rede é dupla. Primeiro, há a importância para o campo científico, pois muitos dos pesquisadores já interagiam em eventos, como congressos, mas de forma ocasional, e não com encontros sistemáticos e temáticas específicas de trabalho em conjunto”, pontua a professora Maria Alice de Lima Gomes Nogueira, da UFMG, integrante da Rede de Grupos de Pesquisa em Educação e Desigualdades. “Além disso, há uma grande importância social, pois, ao congregarmos grupos de pesquisa produtivos em torno de um assunto socialmente relevante como a desigualdade educacional, com foco, sobretudo, na vulnerabilidade social, podemos avançar nesse setor, que tem grande dificuldade em realizar políticas que gerem melhora substantiva”, diz.

Em 2017, foram realizados dois encontros entre os membros da Rede, um em cada semestre. No primeiro, que ocorreu em maio, os pesquisadores puderam apresentar brevemente ao grupo seus principais trabalhos, e a Rede fez acordos sobre sua forma de funcionamento e os objetivos que pretende alcançar. Na ocasião, o estatístico José Francisco Soares, professor titular da UFMG e ex-presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais, falou sobre suas recentes pesquisas sobre desigualdades educacionais no ensino fundamental brasileiro. Ainda no encontro, foi pactuado que pesquisadores da UFMG mergulhariam na bibliografia sobre pobreza e educação, buscando responder por que os setores mais pobres da população não estão conseguindo ter melhorias de aprendizagem nos últimos anos.

No segundo encontro, que aconteceu em dezembro, os primeiros resultados desse levantamento bibliográfico foram discutidos, e a Rede conversou sobre o plano de apoiar a construção de um indicador de desigualdades educacionais que seja capaz de dar um panorama do problema no Brasil. “Agora, esperamos novos encontros, mas, enquanto isso, vamos trabalhando a distância para que cada grupo traga a sua expertise de investigação para o debate”, afirma Maria Alice de Lima Gomes Nogueira.