A Fundação Tide Setubal viveu em 2017 um ano de novos rumos. Após uma década de atuação em São Miguel Paulista, na zona leste de São Paulo, iniciamos um processo de reflexão, no qual revisitamos nossa trajetória, aprendizados e conquistas. Os resultados positivos alcançados ao longo dos últimos dez anos trouxeram a certeza de que os caminhos escolhidos foram acertados e, sobretudo, sinalizaram a potência de nosso modo de fazer: com a comunidade, não para a comunidade. A valorização dos saberes locais e a escuta atenta geraram metodologias baseadas na perspectiva de que o território importa, não apenas para as atividades ali desenvolvidas, mas também para a construção de políticas públicas mais eficientes e sintonizadas com as reais demandas da população.
Tendo essa bagagem em nossa história, chegou o momento de ampliar nossa atuação para além de São Miguel Paulista, de levar a mais periferias urbanas o conteúdo que criamos, incentivar a produção de mais conhecimento sobre a realidade desses territórios e de advogar por políticas públicas que atuem para reduzir desigualdades. Para isso, a Fundação Tide Setubal redefiniu a sua missão institucional, que passa a ser: fomentar iniciativas que promovam a justiça social e o desenvolvimento sustentável de periferias urbanas e contribuam para o enfrentamento das desigualdades socioespaciais das grandes cidades, em articulação com diversos agentes da sociedade civil, de instituições de pesquisa, do Estado e do mercado.
Com a nova missão, teve início também um ciclo institucional. Foi alterada a composição de nosso Conselho Curador, que ganhou dois novos membros: Sueli Carneiro, ativista, filósofa, doutora em Educação e fundadora do Geledés Instituto da Mulher Negra, e Jailson Souza e Silva, geógrafo, professor da Universidade Federal Fluminense e fundador do Observatório das Favelas.
A atuação da Fundação Tide Setubal passou a ser dividida em três eixos. O círculo territórios, o círculo conhecimento e o círculo ação macropolítica.
No Jardim Lapenna e em outros territórios, o trabalho da Fundação Tide Setubal visa promover o desenvolvimento por meio da afirmação de direitos de cidadania, do aumento das capacidades de ação de suas instituições e sujeitos e do estímulo à ampliação da circulação de pessoas desses territórios em outros espaços das cidades e da sociedade. Tem cada vez mais um lugar central em nossa atuação o apoio e o fortalecimento de organizações locais.
No Galpão de Cultura e Cidadania, equipamento da Fundação Tide Setubal no Jardim Lapenna, fortalecemos ainda mais as parcerias com organizações e profissionais do bairro, valorizando os saberes e as experiências locais. A Oficina Escola de Culinária buscou novas alianças, viabilizando projetos de incentivo ao empreendedorismo gastronômico. A Fundação Tide Setubal articulou a entrada do Programa Jovens Urbanos no bairro, contribuindo para a formação de duas organizações locais que executaram as atividades com o público jovem, e os adolescentes e jovens adultos ainda passaram a contar com um cursinho pré-vestibular, também realizado com uma nova parceria com a Comunidade Kolping.
O Festival do Livro e as festas Julina e de Cultura Caipira, já tradicionais na zona leste, foram realizados com ainda mais participação e coautoria de parceiros e artistas do território, trazendo debates sobre questões como a literatura negra e a valorização da cultura caipira.
Novas conexões entre diferentes periferias de São Paulo e do Rio de Janeiro surgiram em 2017, como foi o caso da Virada Comunicação, realizada pela Rede Jornalistas das Periferias com apoio da Fundação Tide Setubal, e o curso de especialização Inventividades Socioculturais das Periferias, realizado pelo Instituto Maria e João Aleixo, o Observatório de Favelas e as Redes da Maré com nosso apoio. Ambas as atividades discutiram os obstáculos de representação enfrentados pelas periferias, as potencialidades locais e a importância de evidenciá-las.
O Plano de Bairro do Jardim Lapenna, iniciativa de microplanejamento urbano, exemplificou a conexão que buscamos incentivar entre a mobilização de atores locais e a influência na macropolítica. A iniciativa, que conta com a Fundação Tide Setubal como membro de seu colegiado, ao lado de parceiros e da Fundação Getulio Vargas, mapeou e organizou as demandas locais de micro planejamento urbano para então estabelecer compromissos junto ao poder público. O Plano de Bairro do Jardim Lapenna, que conta também com dez organizações locais em seu colegiado, é o primeiro plano que cumpriu todas as etapas para a sua formalização, prevista no Plano Diretor, e teve sua proposta e metodologia apresentadas para o Conselho Municipal de Política Urbana (CMPU) de São Paulo.
Para além do Plano de Bairro, que estimula a participação das lideranças e da população na política urbana da cidade, as ações de macropolítica pretendem influenciar órgãos de fiscalização, agentes do executivo e do legislativo, bem como outros agentes da sociedade civil e do mercado, para que as desigualdades territoriais sejam objeto de ações efetivas de iniciativas da sociedade e de políticas públicas.
Um dos elementos mais relevantes para fortalecer a participação e reduzir desigualdades entre as regiões da cidade é termos informações claras e acessíveis sobre como e onde é executado o orçamento público municipal. Pensando nisso, a Fundação Tide Setubal iniciou a defesa da territorialização do orçamento municipal como um caminho para a redução das desigualdades. Para trabalhar a questão, foi produzido um relatório sobre o assunto identificando as principais barreiras à territorialização do orçamento e apontando oportunidades para que a situação mude. Outras causas, como o fomento à igualdade de gêneros e racial, também serão temas transversais pautados na nova agenda da Fundação.
O círculo de conhecimento, por sua vez, foi estruturado para fomentar a produção, sistematização e difusão de informações e de tecnologias sociais, com o objetivo de ampliar a capacidade da Fundação Tide Setubal e de outros agentes de promover ações transformadoras voltadas ao enfrentamento das desigualdades socioespaciais em grandes cidades. Continuaremos a publicar sistematizações de nossas iniciativas e metodologias, mas pretendemos também atuar em rede e fortalecer outros atores. Um exemplo de atuação nesse sentido foi a criação da Rede de Grupos de Pesquisa em Educação e Desigualdades, organizada pela Fundação com participantes da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop) e da Universidade de São Paulo (USP). Os principais objetivos da Rede são dar suporte a pesquisas sobre desigualdades de trajetória e desempenho educacional no Brasil e sobre políticas públicas voltadas ao tema, disseminar dados e resultados de pesquisa sempre que possível e induzir e apoiar o desenvolvimento de políticas públicas.
Os novos rumos da Fundação Tide Setubal foram apresentados ao público no seminário Periferias Urbanas: territórios de desafios e possibilidades no enfrentamento das desigualdades, realizado em junho com o GVces para celebrar o lançamento de uma edição especial da revista Página 22, feita em parceria entre as duas organizações e dedicada a temáticas ligadas às periferias.
Em 2017, a Fundação Tide Setubal viveu um período de transformação, em que redefinimos papéis, linhas de atuação e jeitos de fazer. Tudo isso em um ano de crise política e uma sociedade mais dividida. Percorrer esse primeiro ano do novo ciclo foi possível pela força da equipe, que encarou o desafio de mudar, de ampliar o escopo de nosso trabalho e renovar nossa atuação com o território que nos recebe há mais de uma década. A todos eles, o meu agradecimento. Seguimos agora para novos voos, com maior escala, buscando fortalecer outras periferias, ampliar a nossa produção de conhecimento e fomentar ações de influência em políticas públicas. Levaremos sempre conosco a escuta, o diálogo, as parcerias, a presença e os vínculos, princípios que marcam a nossa atuação há mais de uma década.
Confira em nosso relatório anual de 2017 os primeiros passos que demos nessa nova jornada. Boa leitura!
Maria Alice Setubal
Presidente do Conselho da Fundação Tide Setubal