Para incentivar a transparência na prestação de contas dos gastos públicos, organização produz relatório técnico e passa a integrar grupo de trabalho sobre o assunto
As desigualdades socioespaciais manifestam-se com clareza na distribuição de serviços e equipamentos públicos nos grandes centros urbanos. A tendência é as áreas centrais serem mais bem servidas, enquanto as periferias possuem poucos – ou nenhum – atendimento ou equipamento. Estudos como o Mapa da Desigualdade, da Rede Nossa São Paulo, escancaram essas diferenças: na cidade de São Paulo, um morador dos Jardins, região nobre, chega a viver 23,7 anos a mais, em média, do que quem reside no Jardim Ângela, na periferia da zona sul, e um distrito como a Sé, na região central, possui 116 vezes mais centros culturais e casas de cultura que o Grajaú, também na zona sul.
Em 2017, após realizar um mapeamento das principais formas de incidir politicamente no combate das desigualdades socioespaciais junto à consultoria Cause, a Fundação Tide Setubal passou a defender a territorialização do orçamento municipal como um caminho para a redução das desigualdades. A obtenção de dados claros acerca do destino do orçamento municipal é fundamental, pois permite, de fato, compreender melhor a efetividade das políticas públicas, já que, apenas quando há transparência sobre a destinação dos recursos, é possível avaliar o investimento público nas periferias. Além disso, em uma cidade grande como São Paulo, saber exatamente para onde vão os gastos públicos aproxima o cidadão da administração pública, torna mais concretos os grandes números do orçamento e dá sentido para a discussão pública.
Embora a Lei Orgânica do Município estabeleça que “a lei orçamentária anual identificará, individualizando-os, os projetos e atividades, segundo a sua localização, dimensão, características principais e custos”, na prática, atualmente não é possível saber qual parcela do orçamento é destinada a quais regiões da cidade. Isso dificulta a análise de políticas públicas e o processo de tomada de decisões por parte dos governantes e a organização das demandas pela sociedade civil.
Para trabalhar a questão, a Fundação Tide Setubal produziu um relatório técnico sobre o assunto que procura identificar as principais barreiras à territorialização do orçamento e apontar oportunidades para que a situação mude. No estudo, elaborado pelo geógrafo Tomás Wissenbach, percebe-se um retrato preocupante sobre a territorialização do gasto público na cidade de São Paulo. Com base em entrevistas e na análise de dados abertos e na própria legislação orçamentária, Wissenbach concluiu que não se sabe onde efetivamente o gasto público ocorre. Isso se deve à falta de produção de informação de qualidade por parte da administração pública, seja por falta de pessoal dedicado, não detalhamento de gastos por unidade territorial ou excesso de contingenciamento de recursos da execução orçamentária, o que dificulta o planejamento por parte das secretarias.
Nesse contexto de ausências – de informação, gestão de dados e conhecimento sobre regionalização –, a Fundação Tide Setubal identificou um potencial de atuação no campo da ação macropolítica, trabalhando junto a iniciativas já existentes, como o Grupo de Trabalho (GT) de Orçamento da Rede Nossa São Paulo, que definiu o tema da regionalização do orçamento como prioritário, e também na sensibilização dos órgãos de controle – Tribunal de Contas do Município de São Paulo (TCM) e Controladoria – e atuando junto aos servidores públicos municipais.
Em 2017, a Rede Nossa São Paulo convidou a Fundação Tide Setubal para coordenar o GT Orçamento, iniciativa criada pela organização há alguns anos, interrompida temporariamente e retomada no ano passado. “A ideia de reativar o GT surgiu em uma reunião entre a Fundação Tide Setubal e a Rede Nossa São Paulo no começo do ano, na qual falamos sobre nossa preocupação com a questão do orçamento e a importância de termos dados territorializados. Houve muita sinergia. No reconhecimento da Rede Nossa São Paulo, a Fundação tem um poder de articulação e de mobilização de atores da periferia, então nos chamaram para sermos animadores deste GT”, afirma José Luiz Adeve, coordenador da Fundação Tide Setubal.
Em um primeiro encontro, realizado em outubro, reuniram-se na organização representantes de Fundação Getulio Vargas, Instituto Pólis, Teto, Fórum de Cultura da Zona Leste, Escola de Governo e Rede Nossa São Paulo, com o intuito de discutir a importância da descentralização dos recursos do município e possíveis formas de contribuir com o que já vem sendo feito na cidade em termos de análise do orçamento.
“A ideia do GT Orçamento é promover estudos, dados, análises e textos sobre a importância da transparência e da regionalização do orçamento para a redução das desigualdades”, afirma Américo Sampaio, gestor de projeto da Rede Nossa São Paulo. “Para reduzir as desigualdades em São Paulo, é preciso fazer um mapeamento de como o orçamento é gasto e, ao mesmo tempo, priorizar as regiões da periferia em vez do centro da cidade”, conclui.