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Coletivos de comunicação das periferias promovem debate sobre representação
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Fundação Tide Setubal apoiou a 1ª Virada Comunicação, realizada pela Rede Jornalistas das Periferias, composta por 13 coletivos de diferentes regiões

Como a mídia tradicional representa as periferias? Salvo em raras exceções, nos poucos momentos em que a cobertura jornalística é voltada às comunidades periféricas, o discurso ainda é permeado por ideias de ausência, carência e violência. Os debates sobre a imagem desses territórios e as disputas envolvidas na forma de contar essas histórias têm clara relação com temas como o direito à cidade e as desigualdades socioespaciais, dialogando com a missão da Fundação Tide Setubal.

Buscando criar pontes com novos territórios e contribuir com o debate sobre periferias e desigualdades, em 2016 a organização passou a apoiar coletivos de comunicação engajados na disputa conceitual de narrativas sobre periferias.

“A aproximação com os coletivos de comunicação aconteceu justamente por acreditarmos na produção de comunicação nas periferias. Nosso primeiro contato foi com o Periferia em Movimento, que trabalhou conosco na produção de conteúdo para um projeto da Fundação. Ao mesmo tempo, eles nos apresentaram a proposta da Virada Comunicação, que trazia consigo o debate sobre as narrativas construídas nos territórios na contramão da representação e da narrativa hegemônica, o que para nós é fundamental quando se fala em enfrentamento das desigualdades”, diz Fernanda Nobre, coordenadora de comunicação da Fundação Tide Setubal.

A principal ação da Fundação Tide Setubal nesse sentido, em 2017, foi apoiar a realização da 1ª Virada Comunicação. A iniciativa, inédita, aconteceu em setembro, no Grajaú, e foi realizada pela Rede Jornalistas das Periferias, composta por 13 coletivos de diferentes áreas da comunicação. O evento também contou com o apoio da Ford Foundation e do Instituto Alana.

“Enquanto Rede, avaliamos que a Virada Comunicação foi a consolidação de um processo que é antigo e tem origem na luta contra a escravidão e por justiça social em séculos passados, se intensifica com o surgimento das periferias urbanas e toda a mobilização pela garantia de direitos nesse cenário de extrema desigualdade e cria novos significados a partir desse território e das relações estabelecidas nele. Isso passa pelos movimentos de base, manifestações culturais, políticas públicas construídas a partir daí e deságua na necessidade de se contarem essas histórias”, diz Thiago Borges, membro do coletivo Periferia em Movimento e integrante da Rede. “A Virada é um momento em que buscamos discutir tudo que nos atravessa enquanto sujeitos periféricos em circulação pela cidade, com base na óptica de moradores que sempre discutiram os temas colocados em debate.”

Antes do evento, a Fundação Tide Setubal promoveu em conjunto com a Rede Jornalistas das Periferias um bate-papo com Gisele Brito, Gisele Alexandre e Ronaldo Matos, membros da Rede, e jornalistas da mídia tradicional. Participaram da conversa jornalistas de Folha de S.Paulo, UOL TAB, Profissão Repórter, BBC Brasil, Jornalistas&Cia e CartaCapital. “A meu ver, esse foi um dos momentos mais impactantes durante o processo de construção da primeira edição da Virada Comunicação, pelo simples fato de reunir institucionalmente profissionais e organizações que têm missões completamente distintas e que precisam falar sobre o mesmo assunto – no caso, as periferias – com formato, abordagem, linguagem e principalmente repertório, para problematizar o cenário de desigualdades sociais da cidade”, diz Ronaldo Matos, membro do coletivo Desenrola E Não Me Enrola e da Rede.

Durante a conversa, foram discutidos os principais obstáculos dos profissionais da grande mídia para de fato frequentarem as periferias em suas coberturas, como a equipe limitada e a falta de tempo para o deslocamento. Também foram abordados a maneira estereotipada com que muitos retratam os moradores dessas regiões e possíveis caminhos para mudar esse quadro. “O encontro teve um grande impacto político pra mim, pois possibilitou que o meu jeito de pensar e produzir o jornalismo na periferia fosse compartilhado com quem reproduz um formato que já é pauta de discussões no senso comum, seja na mesa de bar, na viela, no escadão, nas esquinas, seja na escola pública e nos espaços socioculturais dos grandes bolsões populacionais da cidade. Sem dúvida nenhuma foi uma ação relevante e promissora para futuras atividades”, avalia Ronaldo.

Comunicação em pauta

No dia seguinte ao debate, aconteceu, no Centro Cultural do Grajaú, zona sul de São Paulo, a 1ª Virada Comunicação, que reuniu mais de 400 participantes, a maioria estudantes e membros de coletivos de comunicação.

Com mais de dez horas de atividades, a Virada combinou oficinas de comunicação, intervenções culturais e mesas de debate com a participação de diversos convidados, como Binho (Sarau do Binho), Maria Vilani (Centro de Arte e Promoção Social) e Francilene Gomes (Movimento Mães de Maio), além de integrantes de movimentos sociais e da Rede Jornalistas das Periferias.

Entre os principais temas discutidos estavam o genocídio da juventude negra, a discriminação por CEP, o direito de acessar equipamentos culturais e uma educação de qualidade nas periferias, a ocupação da cidade e seu viés ambiental, o machismo periférico e os problemas na representação da comunidade LGBT pela mídia. Na última mesa, que encerrou o evento, o debate foi sobre um desafio comum a muitos coletivos de mídia independente, o financiamento. “Talvez a gente tenha que olhar mais as oportunidades financeiras, e não só as pautas. Criar essa inteligência empreendedora ainda é um desafio”, afirmou a jornalista Gisele Alexandre.

Sobre o apoio da Fundação Tide Setubal à Virada, a Rede o considera fundamental. “Foi natural buscar o apoio de organizações que já discutem as questões levantadas e cujo o viés territorialidade e/ou da comunicação poderia trazer novas provocações para o público participante, para as próprias organizações e também para os coletivos que fizeram a Virada sair do papel”, diz Thiago.

Para contribuir com o fortalecimento de coletivos e veículos independentes de mídia, a Fundação Tide Setubal também contratou os serviços do coletivo Periferia em Movimento, do qual Thiago faz parte, para a cobertura de projetos como o Plano de Bairro e eventos como o Festival do Livro e da Literatura de São Miguel. Segundo Thiago, a parceria permitiu não apenas que o coletivo tivesse mais segurança financeira, mas também que entrasse em contato com territórios e ideias que ainda não conhecia. “No caso do Plano de Bairro, por exemplo, possibilitou que a gente conhecesse um mecanismo de participação cidadã que passava batido porque ninguém falava sobre e porque nós não nos debruçamos antes pela falta de tempo.”